lhe cause tanto problema
que já não lhe cabe me cuidar.
Talvez eu deva ser forte,
pedir ao mar
por mais sorte
e aprender a navegar."
Calcando aos pés a consciência de estar existindo.
(Fernando Pessoa como Álvaro de Campos)
Às vezes parece tão difícil enxergar uma razão, um motivo pra seguir
E é preciso um diário virtual pra descarregar um pouco. Porque todo mundo já ta cansado de te ouvir, todo mundo ocupado demais com seus dias ruins... ou distraídos com seus dias bons demais.
Um diário virtual e um abraço de mãe. É o que me sobrou.
Ainda bem.
Você chora, só chora no colo dela. E ela, apenas ela, te entende, porque ela sabe que é complicado ser você.
Aqui você fala. Aqui você se explica pra você mesmo. E se justifica para não ficar com aquele peso na consciência de que você não deveria sofrer tanto quando há gente com motivos aparentemente muito mais pungentes que os seus.
Mas não dá. Simplesmente, não dá para não sucumbir à dor.
São quase cinqüenta dias sangrando, e isso não é uma metáfora. É a anemia, que agora é talassemia. Ovário policístico. Doença auto-imune, tireoidite de Hashimoto. Carência de Ferro. Carência de vitamina B12. Tombo trágico: pé torcido, inchado, roxo e eu mal consigo andar. Infecção. Dor de cabeça. Fraqueza. Memória fraca. Sono
...
Morta por dentro.
Mas ainda tentando manter a linha, sem enlouquecer.
O dia de hoje passa, o tempo me rouba a fé.
E o dia seguinte insiste em vir.
Eu acordo com vontade de que seja sonho, que ainda seja noite e eu ainda possa dormir mais um pouco. Mas não é. Eu vejo os raios de sol contornando severamente as bordas da cortina escura, como se me dissessem:
“Você não quer, mas você ainda vive. Sua doença é puro egocentrismo. Abra os olhos. Levanta.”
...
Eu sou uma ostra.
Produzo pérolas,
Bem polidas, lustrosas e brilhantes.
De cor Marfim.
Eu as liberto e elas fazem seus caminhos.
Trilham tortuosamente seus destinos,
Até se perderem no imenso oceano que é a ignorância dos outros,
Seres marítimos boçais,
Que não me entendem como deveriam
Que não me apreciam como deveriam
Que não sentem o que eu sinto
E que jamais enxergam o mundo azul com a claridade com que enxergo.
Não reconhecidas por seus valores,
As pérolas caem no fundo do mar.
São enterradas na areia...
Onde são confundidas com pedras grosseiras.
Talvez, até sejam mesmo.
Quiçá, eu me atribua valor superestimado
E não seja nada, enfim.
Só uma ostra velha.
Que vive isolada em sua concha,
Uma concha de cor Escura
Que não se percebe,
Que não se vê...
Camuflada pela profundidade do vazio escuro oceânico.
E por isso, só uma concha.
Só uma ostra.
Só uma pérola.
Esquecida.
Música do momento: Soothe - Smashing Pumpkins
Texto de sempre: Tabacaria - Fernando Pessoa (como Álvaro de Campos)
"A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das cousas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura, - nada menos que a quimera da felicidade, (...)"
"O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão."
"Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada."
...